Doçura, raiz e pertencimento mesclam-se em dois representantes de gerações distintas que sabem exaltar o samba autêntico.
O domingo, 13 de julho, foi mais um daqueles dias em que o Cacique de Ramos prova porque é o Doce Refúgio do Samba. A tradicional Roda uniu famílias, componentes das Alas Reunidas e turistas (uma máxima em todos os eventos) em integração e sensibilidades: antigos e novos sambistas dividiram o palco com os convidados Dandara Alves e Marquinhos Diniz, cada qual trazendo suas características sonoras a este terreiro que não aceita superficialidades.
A presença de Marquinhos Diniz, herdeiro legítimo de Monarco e da escola de de outros poetas do samba, foi um acerto que emocionou. Carregando a sabedoria musical do pai e a vivência entre os grandes nomes da Velha Guarda, Marquinhos se apresentou e compartilhou memórias de muitas histórias com o nosso presidente. Seu repertório, afinado com a sensibilidade da roda, ativou os sentidos de quem reconhece o valor da tradição bem cuidada, longeva e perene do Cacique de Ramos.
Dandara Alves, por sua vez, é filha da casa, e isso se percebe com facilidade. Com timbre firme e afetuoso, representou uma geração que se formou assistindo aos grandes sambistas de perto, herdando posturas, dicções e verdades. Ao subir no palco, Dandara mostrou seu talento reluzente e o orgulho de ser mulher preta e sambista.
O grupo Caciqueando, forjado no compasso do Doce Refúgio, foi a cadência base para os artistas que passaram pela roda, mas não apenas para acompanhá-los: para sustentar e potencializar. Entre os encontros e reencontros da tarde/noite, outros bambas de sangue caciqueano também deram o tom. Andinho e Franklin, do Voz Ativa, e a sempre luminosa Margarete Mendes evocaram camadas de emoção que atravessaram a memória afetiva do público. Homenagens ao Cacique Maior não faltaram, e mais uma vez ficou claro que, por ali, cantar é também lembrar, e lembrar é resistir.
Enquanto a quadra vibrava, o Centro de Memória seguia recebendo olhares atentos, curiosos e em reverência genuína. Há quem venha para dançar, mas fique em silêncio diante dos marcos que contam a saga deste bloco carnavalesco que virou templo.
A Corte do Cacique, composta pela soberana Kayza Regina, a majestosa Cassia Anastácia e as musas Eliza Cruz e Laryssa Maya, também se apresentou, compondo a cena com elegância e maestria. Não é só beleza, é linhagem cultural em movimento constante. Faz lembrar o que foi ensinado outrora pelos que vieram antes de nós.
E como se não bastasse a programação já grandiosa, a noite foi ainda de festa. A jornalista Alessandra celebrou nova primavera, com bolo aos pés da Tamarineira e o abraço da Diretoria de Ouro. Um gesto singelo, mas carregado de sentido, como tudo o que se passa dentro daquele espaço consagrado.
O público, sempre ele, fez jus ao que Bira Presidente já sentenciou em vida: é o melhor do Brasil. Atento, respeitoso, comprometido. No Cacique, o samba não é só música. É estado de espírito.
Quando o evento entrega mais do que o esperado, não se trata apenas de surpresas no roteiro. Trata-se da intensidade com que cada presença se torna parte de um todo, onde artistas, frequentadores e história se entrelaçam numa experiência que supera qualquer expectativa. O que acontece no Cacique não se repete, embora seja tradição. Se sente, se guarda e se leva adiante.